O que começou como um flerte entre duas figuras públicas hiper estilizadas, movidas por ego, poder e capital, terminou, ao menos por ora, em um divórcio político barulhento, temperado por insultos públicos, disputas internas e, sobretudo, visões conflitantes sobre o futuro dos Estados Unidos.

Essa separação está longe de ser inédita. Trump, afinal, é notório por sua capacidade de transformar aliados em adversários. De Michael Cohen, seu ex- “consertador” pessoal, a James Mattis, general da Marinha e ex-secretário de Defesa; de Rex Tillerson, o CEO que virou diplomata, a John Bolton, arquétipo do realismo ofensivo republicano, a trajetória de rompimentos é ampla e consistente. O padrão é claro: Trump exige lealdade total, mas oferece instabilidade absoluta.

Elon Musk, por sua vez, tampouco é um personagem conciliador. Seu perfil iconoclasta - subversivo, desafiador das normas, disruptivo em todos os sentidos - sempre tornou improvável qualquer convivência duradoura com um presidente que, embora revolucionário em sua estética, é profundamente conservador em sua lógica de controle, autoridade e culto à personalidade.

Os motivos da cisão são variados e, acima de tudo, estruturais. A primeira grande fissura vem da arena econômica, já que as tarifas comerciais se tornaram um campo minado.

As medidas protecionistas impulsionadas por figuras como Peter Navarro afetaram diretamente as cadeias globais das quais empresas como a Tesla dependem. Não à toa, Musk criticou abertamente a política tarifária do governo Trump, enquanto Navarro retrucava com ataques à legitimidade industrial de Musk, acusando-o de “montador” e não fabricante. A retórica rapidamente se degradou em insultos, o tipo de dinâmica que, embora caricata, revela as profundas divisões internas do campo trumpista.

Além disso, há também, entre Trump e Musk, diferentes leituras sobre a agenda ambiental e energética do país. Já em 2017, com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, enquanto Trump instrumentalizava o negacionismo climático como capital político junto à sua base, Musk via nisso um risco existencial à inovação. No novo governo, o tema sempre foi ponto sensível entre ambos.

Divergências importantes igualmente emergiram em questões migratórias. A política de Trump de restringir cada vez mais o o de estrangeiros ao país contrasta com a visão mais pragmática (e globalista) de Musk, para quem a atração de talentos estrangeiros qualificados é essencial à competitividade tecnológica.

Para além disso tudo, as recentes disputas envolvendo nomeações na Receita Federal (IRS) e na NASA agravaram ainda mais o racha. Scott Bessent, secretário do Tesouro de Trump, travou embates acalorados com Musk sobre influências indevidas e disputas por nomeações estratégicas.

A tentativa frustrada de Musk de emplacar Jared Isaacman, aliado de longa data e astronauta privado, como da NASA foi interpretada por setores da istração como ingerência corporativa excessiva e um sintoma de conflito de interesses.

Esses episódios, somados, não revelam apenas o fim de uma relação política. São sintomas de algo maior: a fragmentação do movimento conservador nos Estados Unidos, particularmente no ecossistema MAGA.

As tensões entre Musk e Trump ilustram um dilema incontornável do conservadorismo contemporâneo: sua dificuldade em acomodar, sob um mesmo guarda-chuva, nacionalistas econômicos, libertários tecnológicos, evangelistas políticos e anarcocapitalistas digitais.

A direita norte-americana enfrenta, hoje, uma encruzilhada geracional e ideológica. A figura de Trump ainda galvaniza parte da base, mas o projeto que representa parece cada vez mais incompatível com o ethos de atores como Musk, que exigem liberdade radical para inovar, mover capitais e moldar o futuro à sua imagem e semelhança.

Em contraste, Trump se ancora em uma lógica de revanche cultural, controle estatal e políticas de curto prazo voltadas à mobilização eleitoral - muitas vezes à custa da estabilidade institucional e da previsibilidade regulatória.

O caso Trump-Musk, portanto, não é uma exceção. É um espelho. E nele vemos refletida uma nova disputa pelo futuro da direita global: entre o conservadorismo reativo e o tecnolibertarismo fugaz; entre o populismo de Estado e o culto ao indivíduo empreendedor; entre o ruído da política tradicional e a lógica algorítmica da disrupção. Esse casamento ideológico, desde o início de conveniência, caminhou, portanto (e sem surpresa), para um divórcio inevitável.

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